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A grande riqueza linguística da Guiné-Bissau

Chiara Trupi ("Closssvany")
A grande riqueza linguística da Guiné-Bissau

A Guiné-Bissau é caraterizada por uma grande riqueza linguística. No país, são faladas cerca de vinte e seis línguas, segundo os dados do Ethnologue (2016). Por um lado, a única língua oficial é o português, vestígio de uma política linguística pós-independência muito comum no continente africano.

Por outro lado, várias línguas atlânticas e mande, definidas como línguas nacionais, são faladas pelas diversas comunidades do país, como reflexo da coexistência, desde tempos imemoriais, dos muitos grupos étnicos que partilham um espaço ecolinguístico rico e variado. Esta conjuntura faz da Guiné um lugar de grande diversidade e de grande contacto linguístico, mas cuja língua de comunicação interétnica é o kriol, constituindo-se, assim, como a língua franca do país. O nome kriol representa a maneira como os guineenses frequentemente se referem a esta língua e pode criar ambiguidade com outras línguas do mundo também chamadas crioulos. Trata-se, de facto, de um termo genérico para se referir a línguas nascidas do contacto entre duas ou mais línguas, frequentemente em contextos coloniais a partir do contacto entre a língua dos colonizadores e as línguas locais. Além disso, intelectuais guineenses, entre os quais Luigi Scantamburlo, também conhecido pelo seu dicionário desta língua (1981 e edições sucessivas), retomaram um termo já proposto no final do século XIX pelo autor guineense Marcelino Marques de Barros e sugerem a designação da língua como guineense. Neste artigo, seguiremos a proposta dos autores e referir-nos-emos à língua guineense.

Chiara – numa entrevista na Rádio Mulher – Bafatá

Hoje em dia, o guineense representa a língua de unidade nacional, promovida como instrumento de unificação durante a Guerra de Independência (1963-1974) por Amílcar Cabral. O guineense é também a língua mais falada no país – como língua nativa principalmente em contextos urbanos, como na capital Bissau, e como língua segunda nos contextos rurais ou em locais cujas línguas maioritárias pertençam ao grupo das línguas nacionais. Esta língua é também falada em comunidades guineenses na diáspora.

A génese do guineense é ainda objeto de investigação e debate entre os estudiosos. O que é certo é que se trata de um dos crioulos mais antigos do mundo, juntamente com o seu irmão caboverdiano, o crioulo do arquipélago de Cabo Verde. De facto, a grande proximidade lexical e gramatical que o guineense e o caboverdiano apresentam indica que as duas línguas sejam agrupadas na mesma família – os crioulos portugueses da Alta Guiné. Se no passado a estreita relação entre os dois crioulos nem sempre foi considerada, hoje em dia muitos dos linguistas que estudam estas línguas concordam que o guineense e o caboverdiano partilham a mesma origem, aliás derivam de uma língua ancestral comum, chamada na literatura proto-crioulo da Alta Guiné, supostamente baseado num pidgin português da África ocidental. Outra língua que pertence a este grupo é o casamansense, o crioulo de Casamansa, região meridional do Senegal, falado principalmente em Ziguinchor e em algumas aldeias próximas desta cidade. O casamansense deriva provavelmente do guineense, em particular da variedade falada em Cacheu: em meados do século XVII, um grupo de colonos, provavelmente em conjunto com africanos falantes do crioulo, partiu de Cacheu em direção ao norte, chegou à atual região de Casamansa e lá fundou a praça de Ziguinchor. Para além destas línguas, autores como Quint e Jacobs, entre outros, propõem que o papiamentu, um crioulo caribenho de base espanhola falado nas ilhas de Aruba, Bonaire e Curaçau também surgiu do proto-crioulo da Alta Guiné e que, portanto, pertence a este grupo de línguas.

Monumento de Cacheu – Guiné-Bissau – foto internet

Embora seja difícil estabelecer uma data para a emergência do guineense, é provável que, pelo menos a variedade de Cacheu, se tenha formado em meados do século XVI, aquando da fundação da praça de Cacheu (1588). De facto, crucial para o processo de crioulização foram as praças, entrepostos portugueses no continente, onde os grumetes, intermediários entre os locais e os portugueses, se constituíram provavelmente como o primeiro grupo crioulo, desempenhando um papel fundamental no desenvolvimento do crioulo no continente. As restantes praças da atual Guiné-Bissau foram fundadas entre os séculos XVI (Geba) e XVII (Bissau). Outro grupo de relevante importância na altura eram os lançados, que viajavam frequentemente, por motivos comerciais, entre Cabo Verde e o continente, e que terão tido um papel fundamental na difusão do proto-crioulo.

As línguas que participaram na formação do guineense foram várias: o português, a língua do grupo dominante nesse contexto de colonização, forneceu a maioria do léxico e, por isso, é chamado língua lexificadora. Línguas como o mandinka (língua mande, falada hoje em dia na Guiné-Bissau e vários outros países da África ocidental), o wolof (língua atlântica, falada principalmente no Senegal) e, provavelmente, o temne (língua supostamente atlântica, falada hoje em dia na Serra Leoa) influenciaram a emergência de certos aspetos gramaticais da nova língua e algum material lexical. Chamamos-lhes, portanto, de línguas de substrato. O papel desempenhado por outras línguas atlânticas como o manjaku, o mankanha, o pepel, o balanta, o fula, o diola, e o baïnouk é ainda debatido: de facto, não é ainda claro se participaram na emergência do guineense ou se simplesmente tiveram um papel secundário na história desta língua. Contudo, o guineense não é só o fruto do encontro entre línguas diferentes, manifestando também aspetos de inovação interna, quer em termos lexicais quer em termos estruturais.

imagem tirada de internet

Antes da chegada dos portugueses, em meados do século XV, o interior da atual Guiné-Bissau fazia parte do Império do Mali, ou dos mandingas. Quando os portugueses chegaram ao continente, encontraram populações como os diolas, os manjakus, os mankanhas, os pepeis e os balantas, sendo que alguns destes terão sido repelidos para o litoral pelos mandingas. O Império manteve relações comerciais com os portugueses e, segundo estudiosos como Havik (2007), o mandinka – ou, em geral, o grupo das línguas mande – funcionava como língua franca juntamente com o crioulo. Rougé (2019) admite, no entanto, a possibilidade de o crioulo enquanto língua franca e o crioulo guineense representarem variedades diferentes, naquele período.

Historicamente, são reconhecidas pelo menos três variedades de guineense que correspondem às praças: Bissau (e Bolama), Geba (e Bafatá), e Cacheu (e São Domingos), inclusive a variedade de Ziguinchor, que hoje em dia é considerada uma variedade independente. Não é ainda claro se as variedades históricas ainda existem ou se foram completamente absorvidas pela variedade de Bissau que se espalhou pelo país inteiro a partir da segunda metade do século XX, se não antes. O que é certo é que o guineense apresenta hoje em dia um certo grau de variação lexical e fonológica, o que poderá depender também do contacto entre o guineense e as várias línguas nacionais.

Casamansa – a ex-colónia portuguesa que luta pela independência | ncultura

Atualmente, o guineense convive com mais de vinte línguas nacionais, principalmente atlânticas e algumas mande. É uma língua em contínua expansão no território do país e, através da diáspora: é falada nas comunidades guineenses em vários países do mundo, de Portugal a Itália, da Alemanha ao Brasil. Segundo dados do Ethnologue (2016), as línguas nacionais da Guiné-Bissau caracterizam-se por diversos estágios de vitalidade linguística: a línguas de crescente vitalidade (balanta-kentohe, manjaku, mankanh, pepel, pulaar, soninke) ou de vitalidade vigorosa (baïnouk-gunyuño, biafada, bidjogo, jahanka, jola-felupe, jola-fogny, kobiana, mandinka, mansoanca), contrastam com línguas ameaçadas (bassari, bayot, nalu), moribundas (badyara) e línguas quase extintas (kasanga). O facto de a vitalidade de várias destas línguas estar atualmente comprometida dever-se-á a vários fatores, entre os quais a mobilidade social para as cidades, a rápida difusão do guineense nas últimas décadas e a falta de iniciativas para a sua preservação. Nas cidades, onde há mais oportunidades de formação e de trabalho, fala-se principalmente guineense, apesar de a língua de prestígio ser o português. Para além disso, o português é a única língua do ensino permitida nas escolas, com a exceção de alguns projetos bilingues, por exemplo português-guineense nos Bijagós e português-manjaku em Calequisse. O futuro destas línguas dependerá de variáveis como, por exemplo, a promoção de uma maior consciência da necessidade de preservação linguística, relacionada com uma atitude mais positiva face a estas línguas, a criação de recursos para a sua descrição e documentação, e a fixação de normas ortográficas para a produção de literatura nestas línguas. Por outro lado, como foi referido acima, o guineense é a língua maioritária mas não é língua oficial. Frequentemente, encontra-se associado a atitudes linguísticas negativas: em particular, muitos falantes de guineense consideram-no como purtugis mal faladu, uma variedade mal falada de português. Portanto, embora o seu futuro não esteja em perigo de extinção, também se encontra dependente da promoção de uma maior consciência da importância e do papel que desempenha numa Guiné multilingue, o que possibilitará o desenvolvimento de atitudes linguísticas mais positivas por parte da comunidade guineense.

Cantor e poeta – Zé Carlos

A literatura em guineense está em contínuo crescimento, das músicas do José Carlos Schwarz a contos tradicionais da tradição oral, da banda desenhada dos irmãos Julio e do Humberto Gonçalo à poesia dos vários autores guineenses: de facto, a poesia representa o campo mais fértil para a escrita nesta língua. Contudo, sendo que o guineense não é língua oficial, há o problema de como escrevê-lo. Embora tenham sido desenhadas várias propostas ortográficas a partir dos anos 80, nenhuma é, de facto, oficial. Os guineenses que escrevem nesta língua têm, assim, ao seu dispor, uma grande variedade de possibilidades ortográficas, o que produz confusão e faz com que, frequentemente, as pessoas escrevam à sua própria maneira ou segundo certas tendências instauradas talvez mesmo pela banda desenhada. A fixação de uma norma ortográfica será uma condição necessária para o aumento da produção de literatura em guineense e, do mesmo modo, uma maior produção literária em guineense poderá contribuir para a fixação de uma norma de escrita. O mesmo se pode dizer no campo da literacia: para o ensino da língua, será necessária a produção de manuais escolares que deverão ser baseados numa norma ortográfica (ver o trabalho de Luigi Scantamburlo quanto à ortografia do guineense e ao ensino bilingue nos Bijagós). A eventual estandardização do guineense – e talvez a sua oficialização – passará necessariamente pela adoção de uma proposta ortográfica, a qual deverá ter em consideração as características linguísticas e as idiossincrasias desta língua que une a Guiné-Bissau. Felizmente, já existem vários recursos científicos que poderão ajudar neste processo.

[1]Esta investigação foi financiada pela Fundação para Ciência e Tecnologia  – FCT (SFRH/BPD/118401/2016). Os meus sinceros agradecimentos à Patrícia Costa e à Raïssa Gillier, amigas e colegas, pela revisão deste artigo. No entanto, todos os erros ainda presentes no texto são da minha inteira responsabilidade.

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Por: Chiara Truppi

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